O viajante que chega a Byblos, desavisado, não encontra farmácias, supermercados, hospitais ou barbearias normais. Toda a cidade tem apenas três tipos de lojas, que também servem como habitações: livrarias, bibliotecas e sebos. Outro detalhe: apenas livros para crianças podem ser lidos por lá. São tantos e de tão boa qualidade, que cada proprietário desenvolveu sua própria estratégia e organização para atrair clientes.
As lojas mais antigas, cheias de ortodoxias, têm corredores enormes e prateleiras altíssimas, e é preciso sempre de um funcionário com uma escada para encontrar o que se procura. Mas há sempre uma ilha logo na entrada, ao alcance de todos, onde há sempre os mesmos livros clássicos: A História de Pedro Coelho, contos dos irmãos Grimm, Fábulas de Esopo, Reinações de Narizinho e O Pequeno Príncipe estão ali, e há sempre alguém querendo pegá-los.
Em alguns estabelecimentos, donos esforçam-se para separar ilhas de livros de autores que produziram muito ao longo da vida, e que conhecemos bem sua obra, como Ana Maria Machado, Ruth Rocha ou Lilian Sypriano. É ali que o viajante encontra Jardim Secreto, edições variadas da Menina Bonita do Laço de Fita e Tudo ao Mesmo Tempo Agora. Encontram também toda a coleção Casa Amarela com suas rimas fáceis, e as histórias e aventuras do Reizinho Mandão, O Amigo do Rei e Marcelo, Martelo, Marmelo.
Não muito tempo atrás surgiram estabelecimentos personalizados. Para não se perder tempo, todos os livros são organizados em escaninhos individuais, onde cada leitor encontra seus livros e autores favoritos. Na minha primeira visita, passei horas tentando escolher. Terminei com uma pilha de livros de Ziraldo e outro bocado de Ruth Rocha. O Menino Maluquinho foi o primeiro da lista e aí fui separando alguns dos favoritos, como A Grande Fábrica de Palavras, Fred Fedorento, A Coisa Brutamontes e até uns livros para crianças maiores, como O Menino no Espelho, Escaravelho do Diabo, O Mistério do Cinco Estrelas ou Quem Manda Já Morreu. Fiquei com um pouco de vergonha, mas puxei o The Princess and The Happiness, em inglês mesmo, já que ele mora no meu coração.
Há em Byblos um beco maravilhoso, todo colorido, porque todas as lojas dali são organizadas de acordo com os ilustradores dos livros infantis. São vitrines cheinhas de Beatrix Potter, com sua aquarela clássica, as colagens, texturas e cores vibrantes de Roger Mello, a ternura a expressividade de Vitor Cafaggi, o fantástico e caricato de André Neves e firmeza e originalidade dos traços de Alexandre Rampazo. Se não estiver atento, o viajante perde-se por lá, imerso nos universos criados por estes artistas.
Na praça principal, onde todas as ruas se encontram, existem centenas de mini anfiteatros, porque sempre há um adulto lendo um livro e invariavelmente há crianças se aninhando por perto para ouvir as histórias.
Se estiver distraído, no entanto, o viajante não perceberá que a própria Byblos é um desenho e ele, caminhante desavisado, é o personagem principal da sua própria história.
Exercício produzido para o Laboratório de Autoria, do professor, doutor, escritor, ilustrador, contador de histórias e maravilhoso Celso Sisto. Ao longo de todo o primeiro semestre vou compartilhar alguns desses exercícios aqui no blog :)