Eu cresci numa família de apaixonados por baralho, sobretudo as mulheres. Muitas das nossas memórias, contadas e recontadas a cada encontro, envolvem cartas escondidas, truques de mestre e ocorrências hilárias envolvendo partidas de buraco ou tranca com minhas avós, tias e todos os primos nos veraneios intermináveis (graças a Deus!) da Bahia, onde nasci.
Particularmente, no entanto, o baralho sempre foi pra mim um pano de fundo. Nunca tinha sido um protagonista, por assim dizer. Desde pequeno criei o hábito de colecionar coisas, mais uma herança das mulheres da minha família. Colecionei camisas de time de futebol, carrinhos de ferro, bonés, latas de cerveja, canetas, moedas e até instrumentos musicais. As coleções iam e vinham com o tempo e descobri que eu gostava mesmo era de colecionar.
Certo dia, já formado em jornalismo e pós-graduado em fotografia, caminhava pela rua onde morava em Salvador, quando avistei um 7 de espadas, jogado ao lado da sarjeta. Me aproximei, fotografei, e segui viagem. Na ocasião era apenas uma mania tola de enquadrar o mundo à minha volta.
Curioso foi que, dias depois, no mesmo caminho (entre minha casa e o trabalho), me deparei com um valete de ouros sob o pneu de uma motocicleta estacionada. Naquela hora me dei conta de que havia algo precioso ali. Eu nunca havia encontrado nenhuma carta na rua na vida e agora elas apareciam, como mágica. Fotografei, mas dessa vez recolhi a carta.
Desde então fui começando uma coleção secreta e silenciosa, a partir das minhas caminhadas diárias pela cidade.
Alguns anos depois, caminhando após o almoço com amigos do trabalho, encontrei um rei de paus. Me abaixei, como de costume, para fazer a foto e recolher a carta, enquanto os colegas que me acompanhavam não acreditavam no que viam. Comentei animado sobre os meus achados e tirei da carteira alguns itens da coleção. Aquela “plateia” estava incrédula. Nenhum dos 5 amigos jamais havia encontrado uma carta de baralho na rua, muito menos havia conhecido um louco que as colecionasse. Mas a semente estava plantada.
Enquanto eu procurava o melhor ângulo para a foto, eles seguiram caminhando pela praça, mas corri para alcançá-los. Não estavam muito à frente e haviam parado, atônitos, todos em volta de um 2 de ouros fincado nos paralelepípedos. Naquele mesmo dia achamos outras 6 cartas, na mesma praça, e foi quando decidi criar o projeto Baralho Urbano.
Como disse para meus colegas, percebi naquela hora que não era por acaso que eu encontrava as cartas. Eu as encontrava porque eu sabia que elas existiam. O simples fato de saber que elas existem é que nos dá a possibilidade de enxergá-las. O Baralho Urbano surgiu justamente para que eu despertasse nos outros a curiosidade de ver as coisas que estão por aí, e a gente não enxerga. Se é assim com cartas de baralho, pode ser assim com qualquer coisa, não é? Temos muitos modos de ver.
Mas não esqueci da minha mãe nessa história. Tempos depois que publiquei a Fanpage no Facebook e comentei em casa, pela primeira vez, que colecionava cartas achadas na rua, recebo uma ligação da minha mãe, um pouco aflita, no meio da manhã.
– Filho! Encontrei uma carta. – disse ela.
– Calma, mãe. É apenas uma carta, aproxime-se sem fazer barulho para que ela não fuja – brinquei.
– Me deixe, menino. O que eu faço? Me explica aí como você quer que eu tire a foto – reclamou, pedindo instruções.
Após algumas orientações básicas e de um aviso expresso para que ela recolhesse a carta (o que ela terminou fazendo com um pouco de nojo), recebi a foto do 5 de copas que faz parte da coleção atual. Tenho mais de 45 exemplares de cartas de todo tipo. O baralho moderno, com quatro nipes, tem o total de 52 cartas e eu já consegui 30 delas… já passei da metade!
Meu objetivo é, após reunir cada uma das 52 cartas e os coringas, fazer uma exposição das fotos junto com as cartas encontradas, provavelmente quando eu estiver bem velhinho, completando também minha coleção de anos.
O Baralho Urbano conta hoje com dezenas de colaboradores do mundo inteiro: Portugal, Londres, Austrália e diversas cidades do Brasil. Alguns desses colaboradores são também colecionadores como eu, com suas próprias cartas e suas próprias histórias.
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